Auditoria encontra ossadas expostas e até crânio solto em cemitérios municipais de SP concedidos à iniciativa privada
27/11/2024
Segundo os auditores, os cemitérios Vila Formosa (Consolare), Campo Grande (Grupo Maya) e Dom Bosco (Cortel) apresentaram encostas de terreno que sofreram a ação de retroescavadeiras, revelando partes de esqueletos humanos; no da Vila Formosa um crânio foi visto solto no solo. Auditoria encontrou irregularidades no cemitério Campo Grande
Divulgação/TCM
Ossadas humanas expostas por escavações e até crânio solto foram encontrados por auditores do Tribunal de Contas do Município de São Paulo (TCM-SP) durante vistorias realizadas durante o mês de novembro em cemitérios que foram concedidos pela prefeitura da capital paulista à iniciativa privada.
De acordo com o TCM, 10 cemitérios apresentaram significativa quantidade de ossos humanos não identificados e restos de material fúnebre mesclados à terra em escavação.
O relatório da auditoria mostra que as empresas responsáveis pela administração dos serviços funerários da capital estão realizando uma série de obras nas quadras gerais, local onde os sepultamentos eram feitos em contato direto do caixão com o solo.
Como a prática foi extinta em janeiro de 2024, quando o modelo de gavetas de laje passou a ser exigido, a construção de nichos no solo e columbários (estrutura de múltiplos andares erguida na superfície) gerou uma série de escavações sem que fossem efetuadas prévias e necessárias exumações.
O TCM aponta que os cemitérios Vila Formosa (Consolare), Campo Grande (Grupo Maya) e Dom Bosco (Cortel) apresentaram encostas de terreno que sofreram a ação de retroescavadeiras, revelando partes de esqueletos humanos. No da Vila Formosa, um crânio foi visto solto no solo.
Já no cemitério São Pedro (Velar), os auditores do TCMSP encontraram resíduos de exumação em contêineres comuns abertos, misturados com restos de materiais de construção.
Ossadas encontradas no Cemitério Dom Bosco, em SP
Divulgação/TCM
Pedaços de madeira e de mantas mortuárias dos caixões também foram registrados pelos auditores junto a resíduos de obras, indicando que as escavações realizadas em área indevida ocasionaram exumações à revelia e descarte de ossadas de forma anônima.
O TCM afirma que, aos auditores, os representantes das concessionárias não conseguiram comprovar a destinação das ossadas enterradas nos locais onde houve exumação compulsória, limitando-se a mostrar sacos de despojos em quantidade bem inferior ao total de exumações já feitas.
Os apontamentos levantados pela auditoria foram encaminhados à SP Regula e ao prefeito de São Paulo para que tenham conhecimento da situação e adotem as medidas necessárias.
"A gravidade da situação fez o TCMSP convocar reunião com a SP Regula, agência pública responsável pela fiscalização da execução dos serviços prestados pelas concessionárias, para esta quinta-feira (28), às 11h", afirmou o órgão.
O que dizem as empresas
Em nota, a SP Regula, responsável pelos contratos de concessão do serviço funerário municipal de São Paulo, afirmou que recebeu, por meio de ofício, o conteúdo apurado pelo Tribunal de Contas do Município (TCM) e estará na reunião desta quinta-feira (28) para apresentar as informações solicitadas.
Em nota, a empresa Consolare disse que, "em cumprimento ao edital de concessão e seguindo todas as normas ambientais e autorizações junto aos órgãos competentes do município, iniciou em 2023 a construção de gavetas de concreto no Cemitério Vila Formosa, cessando os sepultamentos que até então eram realizados em cova rasa, isto é, diretamente na terra, há 70 anos".
"Foram realizadas as exumações de todos os despojos identificados que estavam no local e os mesmos foram devidamente documentados e armazenados em ossários. Nesse processo, a Consolare identificou em meio a terra outros ossos não identificados, fruto de uma prática antiga de refunda (onde os ossos eram reenterrados em profundidade maior). Foi destinada pela Consolare uma equipe de exumação dedicada a essas áreas, uma vez que esses despojos não possuem identificação nos livros de registros e por isso não estão mapeados nas exumações prévias. Esses ossos estão sendo armazenados em ossário geral seguindo as regulamentações vigentes", afirmou a empresa.
"A Consolare informa, ainda, que já foram construídas mais de 11 mil gavetas de concreto no Cemitério da Vila Formosa, além de outras melhorias e obras que somam um investimento de mais de R$ 19 milhões", ressaltou.
Em nota, o grupo Velar informou que "o relatório do TCM não traz nenhum apontamento ou foto de despojos humanos ou restos mortais – como ossos, nos cemitérios administrados pela Velar SP".
"Todas as novas gavetas que estão sendo usadas para sepultamentos foram implantadas em quadras novas. A Velar não realizou obras ou movimentações de terra em quadras gerais anteriormente utilizadas para sepultamentos diretamente em terra".
"Os cemitérios da Velar, incluindo o São Pedro, possuem contêineres apropriados para cada tipo de resíduo, exclusivos e fechados para o descarte de restos de exumação e sepultamentos. A situação apresentada no relatório – de destinação inadequada de resíduos, foi pontual e decorrente de falha individual. Os colaboradores da Velar são permanentemente orientados a dar a destinação adequada aos diferentes tipos de resíduos nos nossos cemitérios. A Velar possui um Comitê de Apoio e Fiscalização que atua para promover as melhores práticas e corrigir eventuais falhas de procedimentos".
Ainda conforme o grupo Velar, em todas as exumações realizadas, desde o início de sua operação, "os despojos são acondicionados em sacos apropriados e devidamente identificados com etiquetas, que possuem código de barras para garantir a correta organização, disposição e futura localização em nossos ossuários".
E complementou: "no acompanhamento e fiscalização do TCM, os serviços de limpeza, conservação e manutenção, vigilância e segurança da Velar foram bem avaliados. A Velar trabalha continuamente para prestar serviços com cuidado e acolhimento a quem a procura, respeitando as condições regidas no contrato de concessão pública assinado com a Prefeitura de São Paulo".
Em nota, o grupo Maya informou que vai apurar os casos apresentados para tomar as providências necessárias.
"Vale lembrar que encontrou os cemitérios, que são centenários, em situação precária ao assumir a concessão há pouco mais de um ano e meio. Nesse tempo, investiu R$ 192 milhões entre valor de outorga e execuções antecipadas e apresentou um plano de investimentos a ser implementado até 2027, data estipulada pelo contrato. O grupo está em cumprimento do contrato vigente e em aprimoramento constante de todos os seus processos e serviços", ressaltou a empresa.
Em nota, o grupo Cortel SP informou que ainda não recebeu o relatório do TCM e, portanto, não irá comentar a apresentação feita pelo órgão nesta quinta-feira (27) até receber os documentos.
"O grupo ressalta que já investiu R$50 milhões em manutenção, zeladoria, construções e reformas de estruturas, como as salas de velório do Araçá e do Santo Amaro, por exemplo, e segue em dia com os cronogramas de atividades, conforme previsto no edital", disse.
Iniciativa privada em cemitérios
Cemitério da Vila Formosa na Zona Leste de São Paulo (SP)
Mauro Borges/Estadão Conteúdo
Empresas privadas assumiram a gestão do sistema funerário da capital paulista em março de 2023 com o compromisso de reformar cemitérios, construir crematórios e aprimorar o atendimento ao público. O contrato assinado tem duração de 25 anos.
Em junho de 2023, O TCM encontrou túmulos cedendo, ossadas sem identificação e armazenadas de forma inadequada, problemas de segurança e de limpeza, cavalos pastando em meio aos túmulos, entre outras questões.